Calegari, Julio (Porto Alegre - Rio Grande do Sul)

Vida: 
16/05/1884 a 31/10/1938
País: 
Brasil
Autor: 
Anthony Beux Tessari
Campo de atuação: 
Retratos fotográficos
Fotografias de Paisagem
Registro de Eventos
Serviços de Estúdio
Trajetória fotográfica: 
Atelier Photographico Callegari e Cruz
Atelier Calegari
Destaques: 
Prêmio da 1ª Exposição Regional Agrícola-Industrial de Caxias (1916)
Medalha de Ouro da Exposição do Cinquentenário da Imigração Italiana de Caxias (1925)

Julio Calegari nasceu em Porto Alegre, RS, em 16 de maio de 1884. Filho de um casal de imigrantes lombardos originários de Mântua (região ao norte da península itálica), que emigraram para o Brasil em 1880. Era o caçula de uma família de sete filhos, tendo compartilhado com um dos irmãos, Virgílio Calegari (1868-1937), o interesse pela fotografia.

Por influência de outros dois irmãos (um, cenógrafo, e outro, ator), desde jovem Julio era aficionado pelo teatro. Chegou a atuar como amador em uma companhia de atores que fazia excursões para cidades do interior do Estado do Rio Grande do Sul. E foi por ocasião de uma dessas apresentações do seu grupo teatral, no município de Bento Gonçalves, que conheceu aquela que viria a ser sua esposa, Anita Zanoni. Em 1910, casado, transferiu residência para o município de Anita, local onde também inaugurou um estúdio de fotografia, passando a praticar o ofício que havia aprendido com o famoso irmão Virgílio (ganhador de diversos prêmios em exposições nacionais e internacionais) em Porto Alegre.

Alguns anos mais tarde, em 1916, Julio transferiu seu estúdio fotográfico para a próspera cidade de Caxias, na qual acreditava teria maior clientela. A essa época, a cidade de Caxias já possuía ligação ferroviária com a capital, luz elétrica, rede telefônica, 160 estabelecimentos comerciais, e contava com, aproximadamente, 7.500 habitantes. Em outras palavras, a cidade apresentava um crescimento demográfico e econômico muito atraente para aqueles que desejavam prosperar.

Em Caxias, o primeiro estabelecimento fotográfico de Julio Calegari foi montado em sociedade com Adauto Cruz, à época, vice-intendente municipal. Em 24 de dezembro de 1916, o jornal O Estímulo noticiava a abertura de “um bem montado atelier photographico”, localizado na “rua Julio de Castilhos, defronte à Praça Dante Alighieri”, sob a firma “Callegari e Cruz”.[i] Pouco tempo depois, em 1920, Calegari transferiu-se para a rua Sinimbu, também em frente à praça central, no mesmo casarão que havia abrigado o estúdio do fotógrafo Giovanni Battista Serafini (1869-1954). Julio permaneceu com seu atelier nesse local até a metade da década de 1920, quando mudou-se definitivamente para outra altura da avenida Júlio de Castilhos, entre as atuais ruas Marechal Floriano e Moreira César.

Como é possível perceber em uma fotografia do interior do novo atelier do fotógrafo, a sala onde eram produzidos os retratos possuía amplas janelas e uma claraboia envidraçada para aproveitar ao máximo a luz natural. Leves cortinas abauladas, fixadas no teto, serviam como difusores das luzes mais duras que alumiavam o local, e eram movimentadas conforme o efeito de iluminação que o fotógrafo desejava obter. O atelier possuía diversos painéis para serem utilizados como fundo cênico, alguns neutros e outros com pinturas de paisagens bucólicas ou de inspiração clássica. Mesas de centro, colunas gregas, bancos, cadeiras, tapete de pele de animal, vasos com flores, e até uma balaustrada perfaziam a lista de móveis disponíveis para comporem as cenas fotografadas, tudo ao gosto moderno do freguês.

Conforme recorda um ajudante de longa data do Atelier Calegari, o Sr. Ernesto Troian[ii], o fotógrafo Julio Calegari estudava atentamente a fisionomia do cliente antes de produzir o seu retrato. Em uma sala de espera, onde também ficavam expostos os trabalhos do fotógrafo, Calegari mantinha conversa por um bom tempo com o freguês enquanto o observava para escolher o seu “ângulo fotogênico” antes da pose. Nesse ínterim, o fotógrafo também aproveitava para conhecer o caráter e as virtudes do cliente, na tentativa de vir a produzir um legítimo retrato íntimo, que destacasse tanto as qualidades físicas quanto morais do sujeito.

Muitos trabalhos do fotógrafo circulavam em diferentes locais da cidade. Em 1927, o jornal O Popular noticiava a exposição de uma “bellisima colecção de quadros com retratos da senhorita Zaíra Eberle”, vencedora de um “concurso de formosura”, na “vitrine da alfaiataria Rufino Henriques”.[iii] Em 1934, o Caxias Jornal comunicava a “oferta de belissimo e artistico quadro”, produzido no “atelier do sr. Julio Calegari, artista-fotógrafo”, para nele “figurar a fotografia da rainha da Festa da Uva [festa popular da cidade que estava em sua terceira edição]”.[iv] E, em 1935, o jornal O Momento informava sobre exposição, no próprio atelier do fotógrafo, de “uma linda fotografia, em quadro emoldurado, do sr. Abramo Eberle [famoso industrialista local]”. O quadro media “quasi um metro de altura” e já havia sido “admirado por diversas pessoas”.[v]

Os efeitos de iluminação que Julio Calegari criava para produzir os retratos confeccionados em seu Atelier eram “marca registrada” do fotógrafo na cidade. Inspirado na arte pictórica, Calegari costumava utilizar a chamada “luz Rembrandt”, uma iluminação unilateral que atingia apenas um lado da face do sujeito (deixando o restante na penumbra), o que resultava em um retrato com maior dramaticidade. Outros efeitos praticados pelo “artista-fotógrafo” eram um leve desfoque e o flou, um efeito artístico que dava a impressão de a figura retratada estar envolta em uma nuvem, este mais comum em cartes-cabinet produzidos pelo Atelier. Ao desfocar propositalmente algumas áreas da imagem, o resultado conseguido pelo fotógrafo eram cenas com menor definição de linhas, o que dava a impressão de a imagem vista ter sido produzida pelas pinceladas imprecisas de um pintor.

Em seus anúncios, alguns divulgados através de jornais locais, o fotógrafo costumava utilizar adjetivos como “artístico” e “moderno” para referir-se aos trabalhos executados no seu Atelier. Essas expressões também eram encontradas em uma placa alusiva ao seu estabelecimento, na qual, inclusive, uma jovem (Lígia, filha do fotógrafo) era vista como se estivesse em pleno voo. Uma imagem romântica e muito impressionante, que permite observar tanto a criatividade como o apuro técnico alcançado pelo fotógrafo. Essa mesma placa ainda fazia menção a alguns prêmios conquistados por Calegari em feiras e exposições regionais: observa-se uma medalha da I Exposição Regional Agrícola-Industrial de Caxias (1916), e a medalha de ouro conquistada na exposição do Cinquentenário da Imigração Italiana de Caxias (1925).

Julio Calegari faleceu em Caxias do Sul, RS, a 31 de outubro de 1938, em decorrência de uma pneumonia contraída em um típico dia frio e úmido da Serra Gaúcha após ter se deslocado para o interior do município para produzir fotografias. Por ocasião de seu passamento, o jornal A Época, do dia 06 de novembro de 1938, comunicou em sua seção “Falecimentos”: “Deixou de existir, a 31 do mêz findo, o sr. Julio Calegari, antigo e conceituado fotógrafo aqui residente. O extinto, possuidor de um coração boníssimo, e de raras qualidades de caracter, era aqui vastamente conhecido e estimado. Aos atos fúnebres compareceu elevado número de pessoas. O Sr. Calegari deixou viuva e tres filhos [Gualtiero, Lígia e Sérgio].”[vi]. A ex-esposa de Julio, Anita, e o filho Sérgio, ao lado do antigo ajudante Ernesto, deram continuidade ao Atelier Calegari por mais alguns anos, tendo encerrado as atividades do estabelecimento em meados da década de 1950.

Uma parte significativa do acervo do antigo Atelier Calegari (composto por provas em papel, avulsas e reunidas em álbuns, negativos de gelatina em vidro e negativos de acetato em película) está depositada no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami de Caxias do Sul, RS. A Coleção Julio Calegari foi doada pelos filhos do fotógrafo.

 


[i] ATELIER. O Estímulo. Caxias do Sul, 24 dez. 1916.

[ii] TROIAN, Ernesto. Ernesto Troian [ex-funcionário do Atelier Calegari]: depoimento [set. 1999] Entrevistadores: S. Fries. M. Gil. Caxias do Sul: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami (AHMJSA), 1999. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida ao Banco de Memória do AHMJSA.

[iii] VIDA SOCIAL. O Sr. Julio Callegari... O Popular. Caxias do Sul, 21 maio 1927.

[iv] OFERTA DE UM QUADRO. Caxias Jornal. Caxias do Sul, 12 fev. 1934.

[v] EXPOSIÇÃO DE RETRATO. O Momento. Caxias do Sul, 03 out. 1935.

[vi] FALECIMENTOS. A Época. Caxias do Sul, 06 nov. 1938.

 

Referências: 
TESSARI, Anthony Beux. Imagens do labor: memória e esquecimento nas fotografias do trabalho da antiga Metalúrgica Abramo Eberle (1896-1940). Porto Alegre, 2013. Dissertação (Mestrado em História) – FFCH, PUCRS. Disponível em <http://tede.pucrs.br/tde_busc

 

 

ISBN: 978-85-63735-10-2