Armínio Archimedes Pedro Gonçalves Kaiser nasceu em Salvador, Bahia no dia 02 de novembro de 1925. Filho de Olga Siqueira Gonçalves e Emil Kaiser, Armínio mergulhou na técnica e arte de fotografar aos 12 anos, motivado pelos baús do avô, Pedro Gonsalves da Silva, fotógrafo português que atuava em Salvador e interior baiano desde o final do século XIX[1].
A trajetória profissional de Armínio Kaiser é marcada pela cafeicultura, e a maior parte de sua produção fotográfica registra a atividade. No ano de 1950, Kaiser graduou-se engenheiro agrônomo em Piracicaba-SP, três anos depois ingressou no recém criado Instituto Brasileiro do Café, onde trabalho até se aposentar, em 1989. Ele praticamente acompanhou toda a história desta instituição, extinta em 1990.
Em 1957 Armínio foi enviado para trabalhar no Paraná, a fim de incentivar o controle da erosão que assolava a região de Paranavaí. Paralelamente ao trabalho técnico, Kaiser foi construindo sua própria leitura das mudanças sociais que vivenciava através da fotografia. Com câmera em mãos e olhar social, seus recortes são um exaustivo exercício de composição.
De uma fazenda a outra, prestando assessoria técnica aos cafeicultores, Armínio levava consigo uma, duas ou mais câmeras fotográficas que captavam, em negativos 35 mm ou 6x6cm, o cotidiano de seu trabalho, as paisagens, os modos de vida nas fazendas e vilas formadas em decorrência da cafeicultura. De olhar crítico, o fotógrafo estava atento ao o impacto humano e ambiental desta atividade. Suas fotografias registram as diversas etapas do trabalho e o drama cotidiano de homens e mulheres que trilharam suas vidas nos caminhos do café.
As fotografias são registros primorosos e permitem visualizar desde a queimada e derrubada de árvores em terras inexploradas, até o preparo da terra para plantio. As etapas do cultivo aparecem com detalhes: dos viveiros à cova; da florada à colheita; da secagem e transporte à classificação e armazenagem. Trazem para perto de quem as contempla o cotidiano nas colônias de trabalhadores - casas, bares, famílias, lavadeiras no rio. Boiada na estrada, escola, procissão, estilingue. Revelam a tragédia da erosão em terras arenosas de Paranavaí, a devastação dos cafeeiros pelas geadas, os efeitos do grande incêndio rural de 1963.
Importante mencionar que o Paraná foi o maior produtor mundial de café em meados da década de 1950 e 1960, e empregava vasta mão-de-obra. Com os problemas de superprodução e o declínio da cafeicultura nos anos setenta, o desemprego tornou-se um problema social na região. As fotografias expõem reminiscências do que Armínio denominou por desassossego - a miséria e o êxodo rural enfrentados por muitos trabalhadores, após a erradicação de grande parte das lavouras de café na região norte do Paraná.
Com olhar profundamente antropológico, Armínio Kaiser utilizou a fotografia como ferramenta para materializar sua visão de mundo diante das mudanças. Sua obra, além de registro social relacionado à sua atividade agronômica, é um preciso exemplo da dedicação de um artista a sua arte, pois as fotos demonstram uma profunda preocupação técnica agregada à poética, comparável aos grandes fotógrafos sociais.
Ao longo dos anos Kaiser reuniu uma vasta produção sobre diferentes regiões do Brasil, principalmente São Paulo e Paraná; em menor escala, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Guardou mais de três mil originais que ficaram inéditos durante sessenta anos. Trata-se de um acervo de significativa relevância no panorama das pesquisas sobre história da cafeicultura, quando observamos o repertório de fontes fotográficas sobre o café, onde pouco se encontra a respeito do Paraná no século XX.
Desde 2007, pesquisas fotográficas sobre o acervo de Armínio Kaiser, sempre em sua companhia, dedicaram-se à higienização, organização e digitalização para salvaguarda dos originais, além de ações de difusão das imagens através de publicações. A primeira, “Ao Sabor do Café. Fotografias de Armínio Kaiser”, lançada em 2008, concentraram-se sobre a parcela de registros sobre o café no Estado do Paraná. Em 2012, os registros mais significativos sobre a cafeicultura paulista e de outros estados são publicados na obra “Grãos em movimento. Olhares sobre a cafeicultura. Brasil, década de 1950. Fotografias de Armínio Kaiser.”
O trabalho com o acervo de Armínio Kaiser[2], sempre em companhia do fotógrafo, além da prática arquivística, está envolvido por um valioso processo reflexivo acerca das políticas agrícolas, tecnologias de cultivo, meios de escoamento e comércio da produção, das condições de vida dos trabalhadores rurais, traz ainda, informações sobre degradação ambiental e êxodo rural.
Atualmente, Armínio Kaiser vive com a família em Londrina. O contato com o fotógrafo e as informações de seus registros fotográficos sobre a cafeicultura inspiraram, ainda em 2008, uma pesquisa audiovisual junto a trabalhadores e ex-trabalhadores do café, a fim de registrar que narrativas seriam construídas em torno das fotografias, transcorridos cerca de cinqüenta anos. As imagens de maior potencial expressivo foram selecionadas como fonte e instrumento de pesquisa nas entrevistas. A participação do fotógrafo nesse processo, em duas conversas a respeito das circunstâncias e memórias que envolviam as imagens escolhidas, foi fundamental para situar a respeito dos contextos referentes aos registros das imagens, bem como a respeito das técnicas relacionadas à cafeicultura.
O resultado foi o documentário “Grãos de Ouro em Sais de Prata”, de 52 minutos de duração, e o curta “Café Passado Agora”, de 10 minutos. Ambos circulam nos meios de difusão audiovisual de mostras e festivais, televisões educativas e internet. As fotografias podem ser vistas através das publicações nos livros mencionados, e parcela significativa do acervo fotográfico está acessível no portal www.camaraclara.org.br.
[1] Segundo o dicionário histórico-fotográfico brasileiro: “Foi itinerante por várias províncias do Nordeste. A primeira referência a sua atividade é registrada em Feira de Santana no ano de 1877, quando divulgada por um periódico local a ´photographia glacê [...] o mais bello systema de retratos´”. (KOSSOY, 2002, p.294)
[2] As ações têm sido realizadas através de projetos culturais, graças aos modestos, porém fundamentais, aportes de leis locais de incentivo à cultura, da Prefeitura de Londrina (PROMIC) e do Governo do Estado de São Paulo (PROAC).