Skip to content

Acervo Trajetórias Docentes

Entrevistado: Priscila Artte
Entrevistador: Entrevista Pública - PIRP
Tipo: entrevista temática
Duração: 43:30
Local: Gragoatá - IHT, Auditório do Bloco P - Térreo
Data: 11/27/2018
Sumário

Entrevista Pública de Priscila Artte (C. E. Aurelino Leal )

 

Everardo Paiva: Boa tarde! Nós estamos então hoje abrindo a nossa segunda entrevista pública, dentro de um programa que envolve uma parceria, que é a parceria do Residência Pedagógica, do programa Residência Pedagógica, com os seus coordenadores, com os seus preceptores... e um projeto aqui da universidade coordenado pela professora Juniele, envolvendo dois projetos de PIBIC e um acervo que está incluído no Labhoi, que é o acervo “Trajetórias Docentes”. Esse acervo ele já tem algumas entrevistas, alguns memoriais que foram construídos por escrito, e a gente vai agora incorporar também essas entrevistas públicas ao acervo do “Trajetórias Docentes”. Então, a gente fez a primeira entrevista, coisa de um mês atrás, com a professora Flávia ((apontando)), foi a nossa artista naquela tarde, e hoje a gente vai então para a segunda entrevista com a professora Priscila Artte, a artista ((ênfase)) do dia é a professora Priscila Artte. É uma entrevista pública, em que a professora vai falar sobre a sua trajetória de vida, sobre suas experiências familiares, escolares, de formação, profissionais, e fechando então com o pertencimento dela ao programa do PIBID. Priscila foi durante alguns anos supervisora do PIBID, e agora no Residência. Então, eu passo de imediato a palavra para a professora. Bem-vinda e obrigado pela presença!

Priscila Artte: Boa tarde! Estou me preparando já há algum tempo pra esse momento porque implica nas nossas memórias, quem nós somos, na nossa trajetória, e eu tenho feito esse exercício de pensar um pouco como que eu venho me tornando quem eu sou hoje. E não poderia começar hoje sem falar da minha infância e de como foi importante para mim algumas vivências para que eu fizesse a opção por ser professora.

Eu nasci em uma família bem simples. Minha mãe com pouca escolaridade, meu pai com ensino médio incompleto, mas nessa família o estudo foi sempre muito valorizado, então a escola, a ida à escola, as tarefas de casa sempre é... fui muito cobrada pela minha família em relação às notas... mas antes mesmo de entrar na escola, porque eu só fiz um ano de educação infantil, porque na minha época não era tão comum você fazer educação infantil como se tem hoje. Eu tenho 37 anos, então naquele tempo a gente fazia um ano de educação infantil quando fazia, ou então já entrava na classe de alfabetização, principalmente na minha origem, da família que eu venho. Não eram muitas escolas de educação infantil, não existia essa política pública que hoje existe: de expansão da educação infantil! Então eu fui pra escola com cinco anos, mas antes de ir para essa escola, que era o Jardim de Infância Alberto de Oliveira, atrás do Liceu, que hoje é uma escola municipal, na época era estadual, eu já sabia ler e escrever porque a minha mãe mesmo com pouca escolaridade, como eu era filha única, fui filha única até os sete anos, ela passava as tardes me ensinando a ler: a juntar as letrinhas, a falar os nomes das letras, o som... e aí eu comecei já nesse processo de alfabetização. E eu me recordo que ao chegar na educação infantil, a minha professora tinha sugerido à minha mãe que eu fosse para o ensino fundamental, naquela época era o primeiro grau de alfabetização. Mas a minha mãe mesmo sem conhecimento pedagógico, desenvolvimento infantil de psicologia, ela acreditava que era necessário que eu estivesse entre as crianças da minha idade. Então, para o meu desenvolvimento emocional ela não quis, né, o contrário de toda expectativa, ela não quis que eu seguisse para o ensino fundamental, na época primeiro grau. E aí eu fiquei ali com aquelas crianças e lembro que na minha alfabetização como eu já sabia ler e escrever aquilo não tinha muito sentido, então eu comecei a buscar outras coisas que eu pudesse fazer na escola, mas sempre tendo como referência a professora, que pra mim sempre teve aquela imagem maravilhosa do “ser professor”, e um modelo pra mim, de querer ser como aquela professora: que ensinava, gentil... então eu sempre tive os professores como modelo pra mim. As minhas primeiras lembranças da escola foram de querer agradar professora e tirar uma nota boa, em ser uma aluna modelo, exemplar. Sendo cobrada em casa e correspondendo à essa expectativa na escola. A minha trajetória como aluna sempre foi essa trajetória: adequar, né, ao sistema escolar, de ter aquela responsabilidade por ser uma aluna que tirasse boas notas, ser participativa... só que eu era muito tímida, então, assim, eu sempre nos trabalhos me escondia, não queria falar, e isso foi sendo rompido aos poucos, eu acho que os professores também tiveram uma participação fundamental nesse processo, né, de valorizar as coisas que eu tinha de melhor, e naquilo que eu não conseguia sair tão bem eles sempre me ajudavam a poder potencializar isso. Hoje eu me vejo fazendo o mesmo pelos meus alunos, sabe? Eu estou falando essas coisas e estou me remetendo a minha própria trajetória, acho que esse é um momento importante, auto reflexivo e de formação pra gente também que está sendo entrevistado. Talvez hoje a postura que eu tenha muito afetiva com os meus alunos tenha sido construída a partir da minha infância. E o marco da minha história, eu acho, como professora, foi um avô que eu tive. Eu tive um avô que a gente pode chamar de “mestre escola”: ele tinha uma escola em casa, mas não era uma escola formal. Ele ensinava, leciona matérias. O meu avô durante a ditadura ele foi perseguido, então ele tinha envolvimento com sindicato e tudo mais. E ele sempre foi pra mim, assim, uma grande/ eu tinha uma::/ queria conhecer (+) mais! Mas a família não falava muito, porque eu nasci na década de 80, então não era um assunto muito comentado. A gente como criança só sabia de algumas frases, algumas ideias, mas a gente não tinha a mínima noção do porquê que ele era assim. E aí quando acabou esse período da ditadura militar, o meu avô começou a dar aula em casa, porque ele não trabalhou mais no mercado formal, ele não era professor formado, mas como ele estudava muito, sabia várias disciplinas... então iam pessoas diferentes lá na escola/ na sala ((ênfase)) na sala, porque era na sala da casa dele, que ele tinha um quadro, e eu convivi porque era vizinha dele. Eu achava aquilo o máximo! Na sala: “olha o quadro negro!” Era aquele quadro de giz, era o meu encantamento porquê as pessoas procuravam ele, por que os alunos iam para lá... perguntava. Quando ele deixava eu escrever no quadro de giz aquilo pra mim era fantástico porque eu me sentia já/ isso eu tinha uns cinco, seis anos. Eu acho que eu não escolhi ser professora, eu não tenho essa percepção de quando eu escolhi. Foi muito natural ser professora. Escolher ser docente, pra mim não foi uma coisa de chegar no ensino médio, definir o que eu queria... isso já veio desde sempre comigo, eu não tenho recordação de quando eu não quis ser docente, de quando eu não quis a docência pra mim. E aí eu reunia crianças em casa pra poder ensinar, da mesma idade, mas assim, eu queria ter essa postura de ser professora, ser vista como a professora, porque eu valorizava muito essa profissão. E com essa coisa do meu avô, ele tinha muitos livros, alguns livros escondidos, hoje eu sei porque eles eram escondidos e a gente não tinha acesso, mas muitos livros eram quase que uma coisa sagrada. A gente chegava na casa dele assim: “os livros do seu avô, não pode mexer, porque é uma coisa muito importante”. E a minha curiosidade aguçada: “o que tinha naqueles livros? Por que aquilo era tão importante?”. Na minha família, nenhum dos meus tios entrou no ensino superior, nem da família da minha mãe, nem da família do meu pai, então, eu não tive experiências com pessoas que entraram no ensino superior. Fazer faculdade pra mim era uma coisa... eu não pensava sobre isso porque eu não convivia com pessoas que faziam faculdade, então, eu queria mesmo era ser professora. Eu não sabia o que eu tinha que fazer pra ser professora, mas eu queria aquilo pra mim. E aí quando eu fui crescendo mais um pouco eu pedi pra poder ficar em uma escola, era uma escolinha de bairro, ajudando as professoras. Eu tinha 13 anos. E ali eu me encontrei! Eu falei: “não, é realmente isso que eu quero”. Porque a minha mãe falava assim: “ah, você acha que ser professora é simples? Quando você estiver em uma escola e tiver na sala de aula você vai ver como é que é”, então eu falei: “então eu vou pra essa escola pra saber o que é ser professora”. O meu encantamento só cresceu a partir dali, era uma escolinha bem pequena e de educação infantil, e quando eu comecei a falar com as crianças, ir desenvolvendo trabalhos que hoje eu vejo que era uma coisa mínima, me colocavam pra tomar conta das crianças, mas na minha cabeça já era a professora da turma. Quando chegou na época do ensino médio, minha mãe queria que eu fizesse o curso de formação geral, porque tinha o curso normal, que seria em uma escola pública/ eu não falei isso, mas eu estudei alguns anos na escola pública, mas a maior parte da minha formação foi na rede privada, que eram escolas de bairro bem pequenas. E também eu acho bom frisar isso: a gente não tinha as políticas que a gente tem hoje de universalização do ensino, isso começa na década de 80. Não tinha muita opção, não existiam vagas em escola pública, era muito difícil. Então, pra você colocar o seu filho em uma escola pública, eu lembro que no bairro em que eu morava tinham duas escolas só, era uma fila imensa, de você dormir pra conseguir a vaga e não conseguia! Então, forçava a sua família a colocar em uma escola que as vezes a qualidade não era tão boa, mas era da rede privada, porque você não tinha como ficar sem estudar. E aí eles davam bolsas, descontos... eram políticas muitas vezes até do governo mesmo, eu lembro que alguns vereadores eles tinham um convênio, eu não sei como funcionava isso, mas essa memória está muito presente na minha vida, de você pedir a um vereador pra arrumar vaga, arrumar bolsa em uma escola particular. E aí você fazia esse contato e ele tinha já as escolas, e te encaminhava pra essas escolas. Acho que que essa é um pouco da ideia que está retornando nessa atual conjuntura. E aí a gente que vivia na escola particular sem pertencer ao mundo das crianças da escola particular. Então, isso foi muito difícil porque você não tinha acesso às coisas que as crianças da escola particular tinham. E aí você tinha que fazer parte daquele meio. Do que eu estou falando? Da mochila, do caderno, do lápis enfeitadinho que todo mundo tinha, então, você tinha que de alguma maneira se enquadrar ali. E não seriam por essas questões. Então eu acho que a minha vontade de estudar naquele momento ela cresceu mais para que eu pudesse ser valorizada pelas minhas notas, pelo meu estudo, já que eu não tinha acesso àquelas outras coisas que as outras crianças tinham. Acredito que seja por isso, então, assim, mesmo que eu não tivesse a mochila que todos tivessem, o uniforme, eu lembro que o uniforme era uma coisa caríssima. Vocês que estão aqui hoje, que são mais jovens, que tenham estudado em escola pública, mesmo com todas as dificuldades, vocês já vêm de uma história onde a gente tinha pelo menos uma blusa que a escola dava pra gente, um material escolar, acesso a livro didático... isso não tinha, mesmo quem estudava em escola pública não tinha essas políticas ainda. Então, o livro/ como é que você estudava em uma escola na qual você não tinha acesso aos materiais? Ainda mais se você fosse pra uma escola particular, piorava mais ainda, porque você não tinha acesso, então você tinha que correr atrás de livros, onde você pudesse estudar. Não tinha internet, né, gente (risos), a gente não tinha nada disso, então era sempre você correr atrás dessa.../ a gente que era aluno pobre em escola particular estava sempre tendo que correr muito mais atrás para poder ser visto ali dentro daquele sistema. Então, eu acho que essas políticas públicas são muito importantes, ainda não estamos no ideal, sabe? Mas eu acho que fez com que muita gente que talvez abandonou a escola na minha época, porque eu tive muitos amigos assim, hoje não tivessem abandonado. Porque hoje a gente já tem algumas políticas que garantem isso: a permanência. Não é o ideal ainda, mas na minha época foi muito mais difícil. Eu fiquei até o primeiro ano do ensino médio nessa escola particular, e depois/ a minha mãe queria que eu fizesse o curso de formação geral, mas eu optei/ eu lembro que eu fiz uma prova, eu passei, eu consegui uma bolsa pra ir pra uma escola privada, uma escola muito boa, mas na hora de fazer a matrícula, mamãe perguntou: “mas é isso mesmo que você quer?”, eu falei: “não, mãe, eu quero ser professora”. Joguei tudo pro alto e fui fazer o curso normal do IEPIC. Aí entrei no segundo ano, e aí eu comecei a minha trajetória de formação docente. Bom, aí no IEPIC eu cheguei no segundo ano do ensino médio, e comecei logo a fazer os estágios. Os estágios eram de dois meses, três meses... você ficava acompanhando uma mesma turminha de ensino fundamental. Turmas gra::ndes... e eu lembro que as professoras regentes faziam assim: “olha, hoje você vai assumir a turma porque eu vou precisar ir ao banco”. Três horas, eu olhava pro relógio cinco: “meu Deus, o que eu vou fazer com essas crianças?”. Eu tinha dezesseis anos, né? E a gente dava um jeito, a gente começou a inventar um monte de coisa, e ali que eu fui descobrindo habilidades que eu tinha pra lidar com as crianças, e de inventar atividades mesmo porque quando você se vê nessa condição: a professora foi embora, agora você assumiu a turma de verdade, tem trinta crianças olhando pra você, turmas cheias de trinta, trinta e cinco crianças... e ali umas colegas diziam assim: “poxa, não é nada disso que eu quero, eu vou embora daqui, eu não quero curso normal, eu não me vejo dando aula”, e eu não conseguia entender: “nossa, mas como? Isso aqui é muito bom, a gente tem que continuar”, e elas: “não...”. E algumas desistiram, outras se formaram, mas não exerceram a profissão, e eu lá com as crianças, as vezes fazendo estágio até mais do que deveria, pedia pra continuar com a turma e tal. E aí eu fiquei dois anos/ naquela época o curso normal era até o terceiro ano, porque o curso normal já teve até o quarto ano, você fazia um adicional pra trabalhar com educação infantil, mas eu fiz só até o terceiro. E lá eu tive a convivência com excelentes professores que começaram a mostrar a escola de uma outra maneira porque começaram a construir junto com a gente um pensamento crítico que na escola privada não tive contato com essas leituras, com essas vivências. Então eu comecei lá no IEPIC a ter contato com essa parte que envolve muitas questões políticas, de grêmio, de passeatas... eu lembro que na/ ai gente, estou ficando velha mesmo... (risos) na privatização da Vale do Rio Doce, olha só, eu não sabia nem o que era Vale do Rio Doce, porque a gente não tinha muitas informações. Mas foi o pessoal do grêmio, do movimento estudantil lá na escola e começou a explicar pra gente que era importante a gente ir à passeata, na manifestação no centro do Rio... e eu falei assim: “gente, como é que eu vou?”. Porque não existia RioCard, não tinham essas... então, eu falei assim: “eu estou sem dinheiro”, mas a gente foi! Entramos na barca, e a volta agora? Só que a minha mãe trabalhava em um prédio, ela era empregada doméstica e trabalhava em um prédio próximo ao IEPIC, e quando passou aquela passeata de alunos ela olhou da janela e me viu, e entrou em desespero, né? Não tinha celular, não tinha whatsapp, não tinha como mandar nada, só me viu ali! E minha mãe tinha muito medo de eu me envolver com essas questões políticas, talvez por conta dessa trajetória do meu avô na época da ditadura, então, era uma coisa que era impensável. E minha mãe começou a ficar muito nervosa querendo se comunicar comigo, e eu fui para o Rio, e voltei já tarde, claro que foi um dia assim... para minha experiência pessoal, de estar naquela vivência de manifestação política, aquilo pra mim foi um marco, mas quando eu voltei pra casa a situação já estava bem grave porque a minha mãe já estava me esperando aos prantos, achando que já estivesse acontecido alguma coisa comigo, e eu cheguei e a minha mãe só olhava para o meu assim tipo: “o que está acontecendo com essa menina?”, sabe? Mas eu acho que hoje, rememorando as experiências que eu tive no IEPIC, foi fundamental pra mim ter a consciência política, a ser quem eu sou hoje! Se eu não tivesse tido contato com aqueles professores e com aquela forma de ensinar, principalmente com professores da área de humanas, que eu sempre fui muito melhor na área de humanas, eu não tivesse tido me tornado professora, porque assim, eu não fui primeiro professora de história. A minha primeira graduação foi pedagogia. Como eu falei pra vocês eu não lembro de como que apareceu a questão da faculdade, porque na minha família mesmo não havia essa expectativa. Pro meu pai, se eu me formasse no curso normal sendo professora já estava ótimo porque ele teria uma filha professora. Então pra ele aquilo já era muito importante! Aquela formação que eu estava tendo ali. E ele falava para as pessoas: “A minha filha vai ser professora!”, então, isso sempre foi valorizado por eles, e eu achava isso muito bonito, a gente tinha essa coisa na família. Na parte do meu pai, as minhas três tias se formaram professora, só uma exerceu, porque também era muito comum na época delas as meninas fazerem o curso norma, isso na história da educação a gente vai entender o porquê disso. Mas era muito comum. Mas elas não exerceram, só uma tia. Mas assim, na parte da minha mãe a gente não tinha muito contato com essa parte acadêmica, elas fizeram curso normal, elas nem foram pra universidade, porque para você ser professor bastava você ter o curso normal, aquilo já era o “top” assim da docência. Só que aí era o segundo ano do exame nacional do ensino médio, o ENEM. E aí eu lembro que o secretário da escola falou assim: “ah, vocês vão se inscrever para o ENEM?”, e eu: “o que é o ENEM?”, aí me explicaram, eu fiz a inscrição, mas o ENEM naquela época ele não valia como acesso ao curso superior, era só o exame de avaliação do ensino médio. E aí eu descobri também que teria o vestibular para a UFF. E eu sabia também que eu não tinha uma formação pra entrar porque no IEPIC a gente não tinha as matérias de física, biologia, matemática... eram todas voltadas para a docência mesmo, então, eu tinha didática, sociologia, mas não tive as matérias mais da área de exatas. Eu fui fazer um curso pré-vestibular comunitário, que era o Corujão, no Salesiano. Eles visitaram a escola, isso é muito importante, eu estou frisando essa coisa da escola pública para gente ver como, a gente que está na escola pública hoje de como essas políticas, esses programas são importantes pra gente que está lá, esteve lá, e continuam sendo. Então, eles disseram: “olha, a gente está aqui para oferecer um curso pré-vestibular pra vocês que querem entrar na universidade, vai ser importante...”. Então eu fazia o curso normal de manhã, os estágios a tarde, e o pré-vestibular a noite. E quando eu cheguei lá a maioria dizia assim: “nossa, você quer fazer pedagogia? Muda um pouquinho de área. Você gosta de trabalhar com humanas, vai fazer Serviço Social, alguma coisa assim, mas pedagogia?”. Eu falei assim: “não, eu vou fazer pedagogia porque é o que eu quero. Eu quero ser professora!”. Então, da minha turma, uma turma imensa do pré-vestibular, acho que eram setenta, acho que só eu fiz a opção por pedagogia. Vim fazer o vestibular, muito com receio, né, sem acreditar na possibilidade que eu fosse conseguir entrar para a UFF... mas eu fiz! E aí eu entrei no curso de pedagogia, e foi assim, para a minha família foi algo, não vou dizer surpreendente porque os meus pais sempre acreditaram muito em mim, no meu potencial, mas assim, eu entrar na universidade vindo de onde eu vim foi uma coisa totalmente assim... pra eles muito significativa. Eu lembro dos meus pais falando pra todo mundo que eles pudessem que eu havia entrado na faculdade: “olha, agora a minha filha está na faculdade!”, era como se eles tivessem ganho o maior presente da vida deles. E eu fui bem colocada na UFF, eu fiquei assim: “nossa, como que eu entrei?!”, foi um momento muito especial pra mim.

Juniele Almeida: Você com a sua habilidade de professora pensando sua entrada na universidade: como foi a sua experiência no PIBID?

Priscila Artte: Dentro da universidade eu fiz o curso de pedagogia e já comecei a trabalhar também na área de educação como professora, e já tinha o curso normal... depois eu fiz um concurso público para o magistério da rede estadual, foi o último concurso público que teve para o primeiro segmento do fundamental, porque depois disso não teve mais por conta dessas políticas públicas, né. Então, eu fiz esse concurso e fui trabalhar no IEPIC, agora como professora regente, voltando para a escola, não mais na condição de aluna-estagiária, mas na condição de professora. E ali no IEPIC eu comecei, agora, a receber os estagiários. E eu queria ter uma relação diferente com os estagiários do que eu tive. Eu queria ser uma professora que ajudasse aqueles estagiários a construir uma perspectiva sobre a escola, diferente do que aconteceu comigo, né, que fui deixada. Eu queria estabelecer um diálogo. Eu não tinha ainda os instrumentos necessários, as leituras, mas aquilo já me inquietava. E muitas vezes por trabalhar de uma forma mais afetiva com os estagiários eu fui criticada na escola, desde aquele período, porque eu tinha uns dezenove anos, os estagiários tinham quase a minha idade, mas assim, eu sempre fui muito de abraçar, ter uma relação muito afetiva, então diziam: “poxa, todo mundo quer ir pra sua turma, estou com um problema aqui”, supervisoras de estágio, “porque você está facilitando”, eu dizia assim: “não, é porque eu acho que eles se sentem bem comigo, então eu acho que a gente está desenvolvendo um trabalho legal, então eles começaram a ir”. Aí depois eu fui recebendo os estagiários do curso de pedagogia também pra fazer PPE, e vou falar como o PIBID.../ nesse meio tempo, eu tive vontade de fazer a faculdade de história, que já era um sonho meu, mas era alguma coisa mais distante. E como eu já trabalhava e tinha muitas questões de trabalho, estágio, eu me casei cedo, com 22 anos, então eu já tinha toda uma responsabilidade diferente... e aí abriu uma faculdade na minha rua, de história, era a primeira turma. E como o meu marido trabalhava nessa faculdade, eu consegui uma bolsa lá de 100%. Fui eu pra fazer outra graduação. Porque na minha cabeça não existia a condição de vir pra UFF naquele momento, porque eu sabia das condições dos horários, e do tempo que seria maior, então eu optei por fazer história lá. E aí comecei a correr atrás por conta de algumas limitações, porque eram só três anos, era uma licenciatura, e aí eu sabia que haviam algumas lacunas na minha formação em relação da história mesmo enquanto formação, porque a gente sabe que um curso de três anos é completamente diferente de um curso de cinco anos. E aí fui fazer um concurso pra professora de história. E aí a mesma coisa: “ah, mas você se formou e tal, faculdade particular, você não vai conseguir”, aquela coisa toda... falei: “não, vou meter a cara, vou estudar!”. E aí eu fui aprovada nesse concurso para professora do Estado. Então naquele momento eu fiz uma opção: saí do curso fundamental e fui dar aula no Aurelino Leal. Cheguei no Aurelino Leal em 2010. Eu trabalhava de manhã com os pequenos no município, e a tarde dando aula de história. E aí depois de um tempo, uma professora na sala dos professores falou assim pra mim: “olha, tem um projeto da UFF chamado PIBID, eu estou saindo, mas eu acho que seria legal você se inscrever porque dá uma oportunidade pra gente...”, falei “ah, tá, vou me inscrever então!”, e me inscrevi. Aí eu vim pra entrevista com o Everardo, isso foi em 2014. Na primeira entrevista eu não passei, quer dizer, eu passei, mas não fui classificada porque uma das pontuações que a gente tinha era experiência. E os professores que estavam comigo lá na hora da entrevista tinham mais experiência. Então, quando saiu eu não fui classificada. Eu fiquei muito mal, falei: “nossa, mas eu tenho tanta coisa legal pra fazer com os estagiários...” [Everardo Paiva: Primeira vez que perdeu algo na vida, está vendo? (risos)]. Mas é porque eu tinha essa expectativa, sabe? Da gente estabelecer essa parceria, porque eu sempre recebi estagiários na minha sala, e acho que isso é importante pra gente falar do PIBID, mas sempre foi uma coisa assim: “ah, eu estou aqui só pra fazer meu estágio, eu vou ficar ali no cantinho, não vou incomodar, eu vou fazer as minhas anotações e depois eu vou embora”, porque os estagiários já chegam assim, né: “o meu estágio é só de observação, tá? Eu não tenho que dar aula”, eu falei: “não, tudo bem”. Mas no meio do caminho eles vêm que não acontece isso. Mas eu falei: “gente, não pode ser assim, sabe? Eu acho que a gente precisa dialogar. A escola precisa dialogar com a universidade”. E aquilo me deixava bem chateada mesmo, porque eu achava que depois iam ser feitos relatórios da minha prática e que eu não tinha acesso. Então, o que estava falando das minhas aulas? As vezes de uma forma descontextualizada, e eu não sabia, porque eles anotavam tantas coisas e depois iam debates nas aulas de PPE’s, de estágio sobre a minha aula, mas eu não sabia sobre o que estava sendo dito. Então, mesmo com isso eu nunca falei: “não, não vou receber estagiário”, porque eu acreditava por ser uma escola pública eu não tinha essa opção de falar que eu não quero estagiário, porque aquilo tem que ser construído coletivamente. Então eu tinha como professora uma responsabilidade a ser co-formadora daqueles alunos. Então eu falava assim pra eles: “ah, com que expectativa vocês vêm pra escola?”, “ah, a escola pública não tem isso,” e eu: “não, mas aqui tem um monte de coisa legal”. Eu pulei um pouquinho, mas depois eu fui chamada porque um dos professores saiu, e eu entrei no PIBID. Fiquei quatro anos no PIBID. E com essas questões, quando eu entrei no PIBID eu falei: “pronto, agora vai ser a oportunidade pra eu falar sobre essas questões dentro da universidade”. Não sei se Everardo lembra, mas as minhas primeiras apresentações em Semana Acadêmica eu falava, pegava o microfone: “porque a universidade vai pra escola pra pesquisar, mas não dá o retorno. Nós professores somos objetos de pesquisa, mas não somos chamados...”, aquilo era uma fala no meu primeiro ano de PIBID e tem os registros (risos). E eu ficava muito chateada. Mas aos pouquinhos, quando eu comecei a ter essa experiência do PIBID, as parcerias que foram feitas principalmente com os professores da universidade eu fui vendo algo novo que eu nunca tinha visto acontecer. E essa parceria foi muito importante/ eu tinha ficado quatro anos sem ter contato com a universidade, então eu fiquei quatro anos só dando aula de história. E aí quando eu entrei no PIBID algo novo pra mim apareceu: a possibilidade de construir novas práticas, de leitura, de escrita, de formação. Porque quando você está afastado da universidade, você não tem essa.../ eu acho que os professores quando estão afastados, a gente acaba vendo só o lado da prática, por mais que você tente ler alguma coisa, mas você fica muito sozinho, é um movimento solitário. Mas quando você encontra o coletivo, e você tem a oportunidade de vir para uma Semana Acadêmica e falar do que você faz na sua sala de aula/ eu lembro que no primeiro ano do PIBID nós fomos premiados, né, Everardo? Então isso valorizou a minha prática! Me fez acreditar que seria possível de novo eu estar nesse espaço, dialogando, que mesmo na condição de professora da escola básica eu não me sentia diminuída diante dos professores universitários. Eu não via isso como uma hierarquia no PIBID. Eu sempre fui muito respeitada pelos professores. Diferente das outras experiências que tinha tido com a universidade, onde chegavam na escola pra ensinar a gente a dar aula. Diziam assim: “olha, vocês não sabem, vocês não aprendem porque vocês não estão conseguindo por causa da formação e tal, e a gente está aqui para mostrar como é que se faz”. E no PIBID eu não vi isso. Eu vi algo sendo construído de uma forma coletiva. E aí eu fiquei quatro anos no PIBID, e foi assim como eu falei: é um marco na minha vida porque voltar a acreditar que as minhas práticas eram práticas de sucesso, com potencial, e sempre valorizando o que era feito na sala de aula, o encontro com os licenciandos pra mim além do afetivo. Porque assim, o afetivo foi a marca também no meu PIBID, porque a gente construiu laços muito fortes. E não foi um grupo de PIBID só. O grupo que se reunia ali pra fazer estágio. A gente começou a dialogar de uma forma muito forte, sobre a escola pública, sobre o que a gente acreditava. Alguns pibidianos ficaram quatro anos comigo, e eu via mais os pibidianos as vezes do que pessoas da minha convivência familiar, porque a gente se falava direto, nos grupos de whatsapp, trocava texto... e impactou também a minha visão de mundo porque algumas práticas que eu desenvolvo hoje, como a questão da história das mulheres, só chegaram até a mim por conta dessa minha experiência no PIBID com os licenciandos. Porque antes eu nunca tinha inserido isso, eu nunca tinha parado para pensar: “poxa, no livro didático as mulheres não aparecem, ou então se aparecem são subalternizadas”. Mas quando elas começaram, principalmente algumas licenciandas começaram a trazer essa perspectiva pra mim eu falei: “gente, é mesmo!”. E a gente foi construindo, então por isso eu acredito no que Paulo Freire fala que ninguém está educando ali, a gente está se educando em comunhão. Eu não estou ensinando os licenciando a ser professor. Eles me ensinam também o tempo todo. A gente está em uma trajetória coletiva. E isso me marcou muito. Eles foram trazendo temas que eu não tinha estudado, autores, eu fui começando a ler coisas que eu nunca tinha lido pra poder acompanhar também o ritmo. Eles não sabem disso, não, mas hoje eles vão saber: eles citavam assim: “ah, porque fulano de tal...”, e eu: “gente, que livro é esse?”, aí eu ia atrás pra poder ler também. Esse encontro foi muito frutífero, e aí hoje eu vejo uma outra professora que eu era antes do PIBID e o que eu sou hoje. Inclusive porque hoje eu pesquiso sobre o PIBID, isso foi tão forte pra mim que/ hoje eu entrei no doutorado tem seis meses, e o meu projeto é sobre a minha experiência no PIBID. A experiência de formação coletiva que a gente teve lá. O Everardo é meu orientador, e conversando antes de eu escrever o projeto, eu sempre falava que só ia voltar à universidade pra fazer o doutorado se tivesse sentido pra mim e significado, porque não era pelo título, tanto que eu fiquei um bom depois do mestrado, foram oito anos. Mas o PIBID me impactou de uma forma tão grande que eu falei: as experiências que a gente produziu aqui a gente precisa socializar. Eu preciso refletir isso e mostrar que a escola pública é potente, que a gente consegue construir uma educação diferente do que está posto, na contramão desses discursos, porque a gente sabe que as políticas de sucateamento existem, mas também existe resistência. Então por mais que a gente tenha lá todo um programa, um currículo mínimo, as necessidades do cotidiano que não são as mínimas, de ter uma sala de vídeo pra passar um vídeo para os alunos. Mas você consegue a partir daquele momento ali de caos gerar algo positivo, e eu sempre falo isso com os licenciandos hoje. Eu estou no Residência também. A gente tem que acreditar que é possível, e a gente tem que construir coletivamente formas de intervenção nessa realidade, porque o que vejo é que o discurso, né, e o que a gente vê hoje é mostrar a falência do público, e só a gente que está lá que pode construir uma forma diferente dessas pessoas verem a escola pública. Se a gente compra esse discurso e reproduz, a gente está aderindo a essas políticas. Mas quando você consegue mostrar, e o PIBID é fantástico porque todos os PIBID’s nesses anos conseguem mostrar isso: as possibilidades que você tem dentro do espaço escolar, mesmo com todas as dificuldades que a gente tem, e isso não impede a gente de lutar por uma escola pública de qualidade, mas eu acho que são duas coisas diferentes, né. A gente precisa continuar lutar por uma escola pública na qual meus alunos tenham acesso a qualidade, mas a gente também tem que mostrar a potência da escola. E no meu trabalho hoje, na minha pesquisa, o que eu tento fazer é isso: é mostrar a potência da escola pública, que foi tão significativa pra mim, que me transformou no que eu sou hoje, porque a minha formação na escola pública, como eu falei pra vocês, quando eu entrei na escola pública depois de anos na escola particular é que me fez ver o mundo com os olhos que eu vejo hoje, de entender a sociedade como está posta, e de construir novos olhares sobre o mundo... a importância que ela teve pra mim, continua tendo para esses alunos que estão ali, e eu acho que a gente precisa acreditar. Eu vou terminar a minha fala falando sobre isso: a gente precisa acreditar que aqueles meninos e aquelas meninas que estão ali eles são capazes apesar das dificuldades, na escrita, na leitura, na matemática.../ eu tive também dois alunos agora aprovados pra história, um na UERJ, um na UFRJ, que são alunos de lá, do Aurelino. E marcam muito bem a importância que o PIBID também teve na vida deles. Então, assim, o PIBID foi essa experiência formativa coletiva que me ajudou a construir não só o olhar que eu tenho hoje pra escola, mas que também está impactando outras vidas que as vezes a gente nem tem noção disso, as vezes só quando a gente encontra algum aluno, ou um licenciando, que a gente vai ter a dimensão de como isso foi importante. Então eu falo pra vocês hoje, pra maioria que está aqui: é preciso, é urgente que a gente continue a sonhar! Resistir, sonhar e acreditar na potência da escola e daquelas crianças que estão ali, em que muitas vezes só têm a nós para acreditar nelas. Obrigada ((aplausos))

Everardo Paiva: A gente não esperava nada menos do que a emoção que a Priscila passa. Acho que pelo o que ela fala fica uma experiência que a gente construiu dentro do PIBID. São muitos PIBID’s, o programa não é homogêneo e uniforme, são muitas experiências por esse Brasil afora. Mas a experiência que nós vivemos aqui na História da UFF, é uma experiência que nós dizíamos, e dissemos em várias situações, na Fundação Getúlio Vargas naquele evento, né: que é o processo de formação a muitas mãos. Porque não é apenas um processo de formação de quem está fazendo a licenciatura. É um processo de formação do professor-supervisor. E é um processo de formação nosso porque nós aprendemos a ser formadores de professores aqui na universidade vivenciando o PIBID. Então, assim, não havia um único processo de formação em curso. Haviam vários processos de formação. A gente estava se formando, os professores se formando, os licenciandos se formando. Eu acho que a fala da Priscila recupera isso.

 

 

Arquivos de Áudio