No circuito "Fotografia Pública de Governo" considera-se as coleções provenientes da ação governamental e depositada em arquivos públicos. Duas linhas de ação se orientam a partir desse circuito da fotografia pública: Fotografia Pública de Governo do Estado do Rio de Janeiro - O acervo da APERJ e Fotografia Pública de Governo no Arquivo Nacional: o acervo fotográfico da Agência Nacional nos governos Vargas.
Arte do Retrato - Variações de olhar
Retratos de coleção
Na década de 1980, na cidade do Rio de Janeiro, funcionou no bairro de Copacabana, a Galeria de Arte Banerj, cujo nome se devia ao fato de ser uma unidade do antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj). A galeria funcionou entre 1980 e 1987 e nos seus últimos quatro anos, quando foi dirigida por Frederico Morais, desenvolveu um programa curatorial inovador em torno da história da arte moderna no Brasil. Nesse período, foram realizadas 14 exposições, que contribuíram para valorizar a memória de grupos e movimentos artísticos no Brasil da segunda metade do século XX. Foi em torno de suas exposições que a crítica de arte reconheceu a importância dos tempos de guerra, quando uma nova geração de artistas se formou em contato com a presença de artistas estrangeiros que encontram refúgio no Rio de Janeiro na época da Segunda Guerra Mundial. Do mesmo modo, pode-se dizer que pioneiramente na galeria se definiu a identidade histórica da Geração do AI-5, que revolucionou as formas e práticas artísticas no Brasil na época do autoritarismo. O programa de exposições se apoiou num largo programa de pesquisa curatorial, selecionando obras de arte e documentado a trajetória de artistas e sua criação. Assim, o retrato se definiu como documento da história da arte.
-Seleção de itens:
0131 - Frederico Morais diante do cartaz da mostra Agnus Dei, na Petite Galerie. Fotografia de Cesar Carneiro, Rio de Janeiro, 1970. [se for possível, colocar esse retrato em posição central ou de destaque.]
Tempos de guerra
0113 - Maria Helena Vieira da Silva. Fotografia, s.a. e s.d.
0109 ou 056 - Henrique Boese em seu ateliê, década de 1970. Fotografia, s.a. e s.d.
0101 - Djanira contempla a praça Mahatma Gandhi da Galeria do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Fotografia, s.a. e s.d.
0095 - Athos Bulcão. Fotografia, s.a. e s.d.
0091 - Eros Martim Gonçalves. Fotografia, s.a. e s.d.
0085 – Arpad Szenes. Fotografia, s.a. e s.d.
0077 – August Zamoyski em seu ateliê no Rio de Janeiro. Fotografia, s.a. e s.d.
0075 - Djanira em seu ateliê, Pensão Internacional. Fotografia, s.a. e s.d.
0068 - Tikashi Fukusihima. Fotografia, s.a. e s.d.
0060 - Flavio Shiró, Pensão Mauá, 1949. Fotografia, s.a. e s.d.
0058 - Émeric Marcier. Fotografia, s.a. e s.d.
0054 – France Dupaty com pintura de sua fase abstrata. Fotografia, s.a. e s.d.
Geração AI-5
0140 – Antonio Manuel (O artista e sua obra Soy loco por ti Tierra. Prêmio Aquisição do Salão Bússola, MAM-Rio, 1969). Fotografia s.a., Rio de Janeiro, 1969.
0137 – Cildo Meireles executando as duas primeiras peças da série “Cantos: espaços virtuais” em seu atelier em Paraty, (1967-68). Fotografia, por Selma Dafre, 1969.
0132 - Artur Barrio. Fotografia, s.d.
0128 – Pedro Escoteguy. Fotografia, s.a. e s.d.
0126 – Odila Ferraz. Fotografia, s.a. e s.d.
0123 - Manuel Messias diante de sua xilogravura, Fotografia, s.a. e s.d.
0045 – Angelo de Aquino diante de sua obra, Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgaber, 1965.
0041 - Rubens Gerchman, exposição Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgaber, 1965.
0032 – Helio Oiticica veste um Paranagolé a uma visitante de Opinião 65, MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgarber, 1965.
0025 - Ivan Serpa, exposição Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgaber, 1965.
0023 - Manuel Calvo, exposição Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgaber, 1965.
0013 - Carlos Vergara diante de sua obra O General, exposição Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgaber, 1965.
0011 - Fernando Goldgaber, exposição Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia, s.a., 1965.
0007 - Tomoshige Kusuno, exposição Opinião 65 - MAM-Rio. Fotografia por Fernando Goldgaber, 1965.
- Orientações expográficas:
Em se tratando de arte moderna, todas as imagens podem ser expostas de modo linear e no mesmo tamanho, com molduras idênticas, em padrão uniforme.
São dois conjuntos e uma imagem central que podem servir para compor a sua distribuição.
A Agência Nacional foi instituída em 25 de maio de 1945, quando da extinção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Criado em 29 de dezembro de 1939, competia ao DIP “a elucidação da opinião nacional sobre as diretrizes doutrinárias do regime, em defesa da cultura, da unidade espiritual e da civilização brasileiras”. Sucessor por sua vez do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural criado em 1934, o DIP é extinto em 1945 com o fim do Estado Novo. Nesse ano é criado o Departamento Nacional de Informações (DNI) integrado pela Agência Nacional, responsável pela distribuição de noticiário e serviço fotográfico à imprensa da capital e dos estados. No ano seguinte o DNI é extinto, mas a Agência Nacional é mantida até 1979 com a criação da Empresa Brasileira de Notícias.
Em 1982 os negativos fotográficos da Agência Nacional foram recolhidos ao Arquivo Nacional junto com um fichário contendo informações como data e nome dos fotógrafos. Esses negativos, que somam mais de 310 mil itens, têm como datas-limite os anos de 1939 a 1982 e estão organizados na série Fotografias, em oito subséries: Aeronáutica, Estado-Maior das Forças Armadas, Eventos, Exército, Força Expedicionária Brasileira, Marinha, Pessoas públicas, Presidentes da República. Em 2010 o acervo da Agência Nacional foi reconhecido como patrimônio documental pelo Programa Memória do Mundo da Unesco Brasil.
Graças ao projeto “Informação sob controle: ações de preservação e acesso a acervos de memória política e social sob guarda do Arquivo Nacional”, desenvolvido com financiamento do BNDES, entre os anos de 2015 a 2017, os negativos fotográficos da Agência Nacional foram organizados, conservados e digitalizados. A partir da recente disponibilização desse amplo material propõe-se, nesse projeto, uma reflexão sobre a produção da imagem de Getúlio Vargas e dos modos como essa representação é construída fotograficamente em diferentes momentos, do Estado Novo ao período democrático. Evidencia-se uma presença ostensiva e intensiva do presidente, seja nos registros que exploram maciçamente a sua figura pública, seja nas imagens ausentes, aquelas em que é o povo brasileiro que dá a ver as políticas do seu governo.
O fundo Agência Nacional, constituído por todas as mídias disponíveis no período em questão e por seus representantes digitais, a saber, imagens fixas, em movimento, registros sonoros e textuais, tem no Arquivo Nacional uma trajetória arquivística reveladora da importância do arranjo e da descrição sobre os acervos, que obedece a padrões, mas nunca é neutra ou imutável. Assim, também aqui, esse processo gerou consequências historiográficas, inclusive no campo da história pública, visto que, por muitos anos uma parcela substantiva da produção de imagens permaneceu desconhecida, limitada às folhas de contatos catalogadas sumariamente. Em outro momento, a digitalização do acervo de negativos, acompanhada da disponibilização no Sistema de Informações do Arquivo Nacional – SIAN, não apenas expandiu o universo disponível para consulta, como reconfigurou seu lugar no acervo da Instituição, dialogando com outros fundos e distinguindo-se, no caso de seu acervo fílmico, pela nominação no programa Memória do Mundo Brasil.
Entre as novas leituras que se apresentam sobre esse fundo e, especialmente, suas séries fotográficas, formulamos algumas questões que nos ajudaram a pensar o fundo, em uma dimensão propriamente arquivística, e não somente temática. Falamos, portanto, sobre a relação entre fotografia e arquivo. Deve-se lembrar que o tema da fotografia pública conhece aqui um redobrado sentido – são as imagens fotográficas de uma agência pública, integradas ao acervo permanente de um arquivo público, um arquivo nacional. Atentos aos enunciados que essas instâncias comportam, refletimos sobre o lugar da fotografia nessas instituições, como indica Okwui Enwezor:
A fotografia é simultaneamente a evidência documental e o registro arquivístico de tais transações. Como a câmera é literalmente uma máquina de arquivamento, cada fotografia, cada filme é a priori um objeto de arquivo. Esta é a razão fundamental pela qual a fotografia e o filme são frequentemente registros de arquivo, documentos e testemunhos pictóricos da existência de um fato registrado, um excesso do visível. [1]
O nascimento da fotografia – do daguerreótipo – e a crescente importância dos arquivos nacionais franceses se confundem, alicerçados por uma mesma política de Estado que privilegiará o registro, o valor de prova, bem como uma história “nacional”. Assim, quando o ministro francês Tanneguay Dûchatel estabeleceu uma pensão para os responsáveis pelo advento do daguerreótipo e, no mesmo ano, instituiu novas instruções para a classificação em arquivos, em 1839, não se poderia pensar em uma coincidência, escreve Joan M. Schwartz, para quem,
Essas questões apontam para as suposições epistemológicas do século XIX sobre as quais tanto as práticas arquivísticas quanto as práticas fotográficas se baseavam. Elas também apontam para origens paradigmáticas compartilhadas que, quando reveladas, contribuem para nossa compreensão da fotografia como uma forma de comunicação através do espaço e do tempo, o lugar das fotografias nos arquivos e a natureza dos fundos como base para a classificação arquivística. [2]
Esse vínculo de origem, que indica também os compromissos que a disciplina da História assumiria em sua relação com os arquivos, foi objeto de uma crítica que partiria de dentro da disciplina, mas não só, sendo objeto de análise de filósofos, antropólogos e outros intelectuais que iriam desestabilizar as certezas que sustentaram uma história escrita por documentos. Embora não seja o objeto estrito dessa pesquisa, a ideia de uma fotografia pública e da história pública exercida no âmbito de uma instituição arquivística nacional, merece, a nosso ver, que se tenha em mente tais condicionamentos. Como lembrou Enwezor, e aqui nos somamos a esse autor, poucos definiram tão bem os arquivos – quer em sua acepção, como enunciado, quer como um conhecimento – como Michel Foucault, que assinala o papel dos arquivos, que vem impedir que o discurso se torne massa amorfa, indiscernível e linear, com todas as “coisas ditas” se agrupando de modo distinto, de acordo com múltiplas relações e responsável pela permanência de tais conjuntos. [3]
Desse modo, ao longo da pesquisa, e a partir do contato com séries de imagens do fundo Agência Nacional, o lugar do arquivo como agente do processo histórico, muito mais do que uma instituição de guarda, impôs-se em toda análise, desde a forma como o tratamento da informação e construção dos metadados instituem uma apreensão dos fundos (e o próprio conceito de fundo é uma construção), até reconhecer determinadas categorias que interrogam esse acervo, como o “contra arquivo” ou, ainda, detectar a persistente colonialidade subjacente às imagens da Agência Nacional. [4] Esse é o caso da pequena série decorrente da reportagem Visita do General Antônio Oscar Fragoso Carmona, presidente da República de Portugal, aos costumes e tipos da África Portuguesa. [5] Cinco fotografias dessa visita que, sabemos, ocorreu em meados de 1939, às então colônias portuguesas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola.
Como é característico das reportagens da Agência Nacional, conta-se com poucos dados sobre as imagens, ampliações coladas sobre papel, sugerindo que compõem os arquivos do DIP, mesmo que não sejam registros realizados por seus fotógrafos. Entre elas, a imagem de tropas locais que marcham sob o monumento aos Descobrimentos, ou os representantes de etnias em seus trajes e pintura corporal, perfilados para a visita. Outras reportagens, como as sete fotografias do “Espetáculo promovido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no Morro do Salgueiro”, de 8 de maio de 1941 [6], poderiam ser abarcadas por esse mesmo olhar, entre tantos conjuntos, que incluem as cidades, seus monumentos, as multidões ou indivíduos flagrados em seu cotidiano.
Outro efeito do projeto e da consulta ao acervo ampliado da Agência Nacional, foi a emergência do Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, em meio a essa massa documental. Dada a história administrativa da Agência, a expressiva participação desse segmento que encarna, especialmente, o Estado Novo, na composição do fundo, lhe confere um novo perfil, complementado pelo acesso, inédito, a álbuns datados entre 1937-1944, que não se encontram digitalizados, referentes a viagens de Vargas pelo país, no Rio de Janeiro, ou ainda o álbum “Raid automobilístico através do Brasil para a prova presidente Vargas. Automóvel Clube”. Observa-se que tanto nesses álbuns, quanto nas reportagens padrão do DIP/Agência Nacional, a dimensão propagandística e as políticas da imagem dispensam que o presidente esteja presente. Há uma população e um povo enquadrado pelas lentes dos fotógrafos, contidos em uma série de categorias apresentadas em dimensões distintas, do indivíduo às multidões.
Paradas, desfiles, filas, grupos instituem hierarquias, uniformizam e destinam lugares na sociedade, além de sobrepujar os vencidos. Os pequenos jornaleiros marcham, as mulheres, os indígenas, a população negra, operários, artistas, transeuntes, contracenam neste país dos anos 1930 e 1940, meio século após a abolição da escravatura e a Proclamação da República. A extensa cobertura fotográfica da Agência Nacional não apenas registra e propaga os atos do governo; a linguagem política contemporânea, a história recente, tem essa face e é instaurada pela nova abordagem da política de massas. A fotografia produz o real, escreve André Rouillé: construída do início ao fim, “ela fabrica e produz os mundos”. [7] A “fotografia-documento”, considera o autor, cumpre, além da mediação com o mundo, a função de arquivo, de realizar o “exaustivo inventário do real” [8].
As imagens produzidas pela agência do governo iriam diferir da Getuliana – o álbum da propaganda idealizado por Capanema, composto de fotografias a cargo de profissionais como Peter Lange, Erich Hess e Gautherot, que não chegou a se concluir, mas constitui um conjunto distinto da produção que, desencadeada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) a partir de 1937, realiza a cobertura diária do governo e suas realizações. Em contraste com as imagens que compõem a Getuliana, a produção fotográfica da Agência Nacional cria um importante contraponto ou paralelo, ao se servir de recursos que compõem uma narrativa de governo e inevitavelmente de Estado. A partir dos anos 1930 verifica-se um novo uso da fotografia na imprensa, um processo supervisionado especialmente pela Agência Nacional. [9]
O papel cumprido pelo DIP e pela Agência Nacional, no período democrático que se seguiu ao Estado Novo e posteriormente, durante duas décadas de regime militar, teve como território privilegiado, um país crescentemente urbano, e uma cidade, a capital até 1961, o Rio de Janeiro. A pesquisa realizada para fomentar uma exposição e posteriormente, um livro, a propósito do Congresso Mundial de Arquitetura sediado na cidade, em 2021, foi integrada ao projeto sobre o fundo Agência Nacional e informada pelas reflexões apresentadas para selecionar fotografias que reúnem todo o período de atividade do órgão conservado pela Instituição. Desse modo, a pesquisa para o livro vem a ser um dos principais resultados obtidos.
[1] Extraído de ENWEZOR, Okwui. Archive Fever: Uses of the Document in Contemporary Art (New York and Gottingen, Germany: International Center of Photography and Steidl, 2008). Disponível em https://nbrokaw.files.wordpress.com/2010/05/enwezor-archive-fever.doc
[2] SCHWARTZ, Joan M. 2000. “"Records of Simple Truth and Precision" Photography, Archives, and the Illusion of Control”. Archivaria 50 (November), 1-40. Disponível em https://archivaria.ca/index.php/archivaria/article/view/12763.
[3] ENWEZOR, Okwui. Archive Fever, Op. cit., p 11.
[4] Foram importantes, também sob esse aspecto, os seminários “Acervos e coleções fotográficas na pesquisa histórica”, promovidos pelo Labhoi/UFF, nos anos de 2021 e 2022.
[5] Agência Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT. EVE.4649. Arquivo Nacional
[6] Agência Nacional. BR RJANRIO EH.0.FOT. EVE.4769. Arquivo Nacional
[7] ROUILLÉ, André. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 2009, p. 18
[8] Idem, p. 60
[9] LACERDA, Aline Lopes de. A "obra getuliana" ou como as imagens comemoram o regime. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 7, n. 14, 1994. P. 241·263.
- Jean Manzon: estética e ética do Estado Novo
Pesquisadora responsável: Maria do Carmo Rainho
Com o objetivo de investigar a produção da imagem pública de Getúlio Vargas e os modos como essa representação é construída fotograficamente no Estado Novo, a pesquisa se voltou para a atuação do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, órgão de controle e censura dos meios de comunicação e de propaganda governamental, criado em 1939, nos moldes das agências similares organizadas em países de regime autoritário, nomeadamente Alemanha e Itália.
O objeto central da pesquisa é o trabalho do fotógrafo francês Jean Manzon, contratado pelo DIP em 1940 e que, ao desembarcar no Brasil, aos 25 anos, já havia atuado em importantes revistas ilustradas e como correspondente de guerra. A nosso juízo, é importante examinar como o DIP se torna um vetor para a divulgação do trabalho de Manzon no país e para a construção e amadurecimento da sua atuação como fotojornalista. E em contrapartida, investigar como Manzon oferece ao DIP, e, em particular, a Getúlio Vargas, a estética adequada à conformação da imagem pública do presidente em plena ditadura do Estado Novo.
Embora os estudos sobre fotografia venham dedicando espaço considerável ao fotógrafo francês, sua passagem pelo DIP é ainda pouco estudada do ponto de vista dos artefatos, ou seja, das fotografias mesmas. Contribui para isso o fato de o acervo de 310 mil negativos fotográficos do fundo Agência Nacional ter sido digitalizado apenas em 2017, o que dificultou o acesso e a pesquisa a estes documentos. Cabe observar que, em 1982, no processo de recolhimento dos negativos, o Arquivo Nacional recebeu também um fichário contendo informações padronizadas sobre cada reportagem, como assunto, data, quantidade de imagens produzidas e nome dos fotógrafos.
Importantes para o tratamento técnico da documentação, as fichas serviram de base para a descrição do acervo, disponível no Sistema de Informações do Arquivo Nacional - SIAN. Contudo, de modo geral, nota-se uma carência de informações sobre os temas das reportagens e os sujeitos retratados. Quantos aos fotógrafos, especificamente, nem sempre os créditos são mencionados; algumas fichas contêm apenas as iniciais dos profissionais; outras grafam os nomes de forma equivocada ou incompleta. Além disso, muitas reportagens são atribuídas a mais de um fotógrafo, sem identificar o trabalho executado por cada um, ou são creditadas, genericamente, à equipe ou à Agência Nacional. Algumas datas também estão incorretas, bem como créditos são atribuídos a fotógrafos erroneamente.
Nesse sentido, propusemos, como principal atividade da pesquisa a elaboração de uma cartografia das imagens registradas por Manzon durante a sua passagem pelo DIP nos anos 1940-1944. Apoiada nos negativos do fundo Agência Nacional – que nos permitem operar com séries documentais, não nos restringindo às fotografias publicadas – buscamos identificar as reportagens produzidas por ele organizando um mapeamento das temáticas enfocadas, data, local e quantidade de fotos de cada uma. Para essa identificação recorremos à documentação textual desse mesmo fundo; às matérias veiculadas pela grande imprensa e à biografia de Manzon, redigida por Henry Rebatel.
Etapas executadas
· Pesquisa e leitura de bibliografia de referência
· Pesquisa da documentação textual do fundo Agência Nacional do período 1939 -1944
· Elaboração de tabela sobre 62 profissionais que trabalharam como fotógrafos no DIP e na Agência Nacional e os períodos de atuação
· Pesquisa das séries fotográficas do fundo Agência Nacional com recorte no período 1940-1944 visando identificar o material produzido por Jean Manzon
· Cotejo das informações disponíveis nas descrições do Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) com os negativos e a bibliografia pertinente
· Identificação das fotografias de autoria de Jean Manzon
· Organização do mapa com informações sobre as reportagens de Jean Manzon no período 1940-1944
· Elaboração da comunicação “Jean Manzon: ética e estética do Estado Novo” apresentada no 32º Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Luís/MA, 2023
· Redação do artigo “Jean Manzon: ética e estética do Estado Novo” publicado nos Anais do 32º Simpósio Nacional de História da ANPUH, São Luís/MA, 2023
· Pesquisa online dos cinejornais do Departamento de Imprensa e Propaganda, do período 1940-1944, custodiados pela Cinemateca Brasileira
Nessa pesquisa nos orientamos pela perspectiva da fotografia pública, que, conforme observa Ana Mauad, fornece visibilidade à experiência social de sujeitos históricos, destacando-se tanto como fonte quanto objeto de estudo da história visual do poder e das culturas políticas.
Os principais resultados obtidos até o momento foram: o mapeamento das fotografias de Jean Manzon produzidas para o Departamento de Imprensa e Propaganda e a produção de texto que analisa os primórdios do trabalho do fotógrafo francês no Brasil, tema ainda a ser mais explorado no campo dos estudos da imagem e da história da fotografia.
Na elaboração da cartografia foram pesquisados cerca de 25 mil negativos fotográficos produzidos entre 1940 e 1944, sendo identificados, até o momento, 1.623 registros de autoria de Jean Manzon. Os marcos cronológicos que balizaram a pesquisa se referem ao período em que Manzon atuou no DIP – formalmente até junho de 1943 e, a partir daí, ao longo de 1944, prestando serviços eventuais, inclusive para a revista Brasil Reportagens, editada pelo órgão. As imagens identificadas integram 102 reportagens atribuídas a ele nas fichas da Agência Nacional, ou por nós, a partir de consultas a outros documentos. Conforme ressaltamos anteriormente, uma parte considerável desse material encontra-se sem os créditos dos fotógrafos, o que nos leva a acreditar que o material produzido por Manzon para o DIP certamente é superior ao que foi identificado até o momento, demandando a extensão da pesquisa com o cotejo de outras fontes.
Destacam-se os registros do presidente Getúlio Vargas na esfera pública, tais como visitas, despachos e reuniões no Palácio do Catete; a presença do presidente em manobras militares; suas viagens pelo país; eventos comemorativos, como o dia do trabalho e os desfiles de 7 de setembro. Há também séries de fotografias de Vargas em família, em férias, jogando golfe, passeando pelas ruas de Petrópolis.
Um conjunto expressivo, com cerca de 300 imagens registradas por Manzon refere-se à III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas realizada em janeiro de 1942, no Rio de Janeiro. Capitaneada pelo ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, a reunião marcou o momento em que o Brasil rompeu relações diplomáticas com as potências do Eixo, Alemanha, Itália e Japão, no contexto da Segunda guerra. Nos meses subsequentes à essa decisão do governo, Manzon fotografou uma passeata de universitários em protesto contra o Eixo; manifestações de repúdio aos atentados praticados pelos nazistas ao Brasil; exercícios de defesa passiva antiaérea no Rio de Janeiro; a campanha da borracha usada para os aliados e, posteriormente, o embarque de aviadores brasileiros da Força Aérea Brasileira (FAB) para o teatro da guerra e o desfile do Corpo Expedicionário Brasileiro, na Vila Militar.
Outra série que merece atenção é aquela intitulada “Tipos populares do Rio de Janeiro”, de outubro de 1940, uma das primeiras feitas por Manzon após a sua contratação pelo DIP. Vendedores, jornaleiros, vassoureiros, amoladores de facas, fotógrafos, posam para as lentes de Manzon encenando as suas atividades, em registros nos quais o francês constrói as imagens a partir da organização prévia das cenas, tudo cautelosamente organizado. A série dos trabalhadores fotografados nas ruas é uma espécie de cartão de visitas de Manzon, um modo de apresentar sua maneira de fotografar, pautada pelo rigoroso controle do que é mostrado.
Ressaltamos que uma parcela das fotografias produzidas pelo fotógrafo para o DIP tem sido divulgada em publicações, exposições e produtos audiovisuais sobre o governo Vargas, o Estado Novo, a conjuntura do Brasil no contexto da Segunda Guerra, dentre outros temas. Em sua maioria utilizadas sem o crédito de Jean Manzon, são imagens empregadas como ilustrações ao contexto ou tema em questão, muitas apresentando apenas os créditos da Agência Nacional. Em torno da longa presença de Jean Manzon no Brasil, verifica-se uma consistente produção acadêmica abordando seu trabalho como fotógrafo e cinegrafista, com ênfase em sua atuação como fotojornalista na revista O Cruzeiro nos anos 1940 e 1950; o material produzido para os cinejornais; os filmes realizados para o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, IPES na década de 1960. Destacamos, como uma das pesquisas seminais sobre Manzon, a tese de Helouise Costa, Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo, de 1998. Quanto à produção fotográfica de Jean Manzon no Departamento de Imprensa e Propaganda é ainda pouco estudada, conforme já mencionado. Nesse sentido, acreditamos que o mapeamento inédito do seu trabalho pode contribuir para estimular novas pesquisas em torno da obra do fotógrafo e ampliar o seu uso em produções editoriais e audiovisuais.
Quanto ao texto, Jean Manzon: estética e ética no Estado Novo, nele buscou-se examinar a produção e as diversas formas e situações de uso, apropriação e agenciamento das fotografias de Jean Manzon no DIP, nos anos compreendidos entre 1940 e 1944, entendendo que a biografia dos artefatos é um caminho para traçar a trajetória do fotógrafo em seus primeiros anos no Brasil, suas relações e seus trânsitos em diferentes esferas. O texto apresenta os percursos da pesquisa, as fontes empregadas e propõe um exercício de análise do trabalho do fotógrafo examinado sua primeira reportagem fotográfica para o DIP: um conjunto de fotos sobre as manobras militares realizadas no Vale do Paraíba, em 1940, com a presença do presidente Getúlio Vargas. Essa reportagem rendeu a Manzon, segundo a sua biografia, trinta rolos de filmes fotográficos, dos quais localizamos cem negativos. Também renderam uma aproximação de Manzon com Getúlio Vargas, que teria ficado satisfeito com o resultado do trabalho, em especial, com uma fotografia em que porta binóculos, imagem que é apropriada e ganha novos circuitos sociais. Parte de Vargas a ideia de transformá-la em cartaz; a mesma foto é publicada pela revista Sombra. Essa reportagem assegura a Manzon, a partir de então, não apenas a responsabilidade pela imagem pública do presidente, mas, pelas imagens de sua família.
- Atuação de Harald Schultz no Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP no final dos anos 1930.
Pesquisadora: Maria Elizabeth Brêa Monteiro
Harald Schultz (1909-1966) nasceu em Porto Alegre, filho de pai alemão e mãe brasileira de ascendência dinamarquesa. Dos 6 aos 15 anos estudou na Alemanha e, na volta, dedicou-se à fotografia. Seu pai, o cirurgião Wolfgang Schultz, havia sido médico do pai de Getúlio Vargas, permitindo o acesso e a oportunidade para fotografar o então presidente da República em uma de suas fazendas de gado, em Ijuí, no Rio Grande do Sul, nos anos 1930. Esse contato propiciou o convite do próprio presidente para que Harald Schultz ingressasse no Departamento de Propaganda e Difusão Cultural-DPDC. (MENDES, Marcos de Souza. Heinz Foerthmann. Dissertação em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 1993.p. 60).
Schultz foi contratado para o DPDC em 1935. Esse departamento, criado em 10 de julho de 1934, tinha como tarefa, entre outras, a de estudar a utilização do cinema, da radiotelegrafia e outros processos técnicos, no sentido de empregá-los como instrumento de difusão. O decreto-lei permitia, também estimular a produção de filmes educativos, por meio de prêmios e favores fiscais. Além da Imprensa Nacional, o Departamento deveria compreender 3 seções, que se incumbiriam, respectivamente, dos problemas relativos ao rádio, ao cinema e à cultura física (que não chegou a ser organizada). Em compensação, outras atividades não cogitadas pela lei tiveram início e ganharam corpo, como as de turismo e as de imprensa, concentradas estas últimas na Agência Nacional. (Achilles, Aristheu. Aspectos da Ação do DIP. RJ:DIP, 1941). Em 20 de novembro de 1940, Harald Schultz pede demissão do cargo de técnico (classe F) da Divisão de Cinema e Teatro do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural.
Seu trabalho com fotojornalismo e cinema e sua experiência adquirida no DPDC e DIP, realizando programas oficiais que buscavam sempre dar ênfase às atividades do governo, orientadas para a construção da imagem do Estado a nível nacional, renderam-lhe a oportunidade de atuar na Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios-SPI, onde realizou estudos etnográficos e filmes, juntamente com Heinz Foerthmann, Charlotte Sophie Rosenbaum e Nilo de Oliveira Velloso. Chefiou a Seção de Estudos no período de 1942 a 1944.
A trajetória de Harald Schultz é longa e diversa. Exerceu atividade fotográfica no IPHAN no período de 1937-1947 e entre 1958-1957 e 1958-1967 no Rio de Janeiro.
Ao se transferir para São Paulo, em meados da década de 1940, passou a trabalhar com Herbert Baldus como assistente de pesquisa junto à Fundação Escola Livre de Sociologia e Política-FESPSP, sendo nomeado assistente de etnologia da Seção de Etnologia do Museu Paulista, igualmente criada e dirigida por Baldus. Schultz desempenhou essa função até sua morte em 1966.
Etapas executadas
· Pesquisa e leitura de bibliografia de referência
· Pesquisa da documentação textual do fundo Agência Nacional do período 1939 -1944
· Pesquisa das séries fotográficas do fundo Agência Nacional com recorte no período 1940-1944 visando identificar algum material produzido por Harald Schultz
· Pesquisa no fundo Fundação Brasil Central (BR DFANBSB H3) visando identificar imagens relativas à viagem ao estado de Goiás do presidente Getúlio Vargas
· Pesquisa on line no acervo fotográfico do Museu Nacional dos Povos Indígenas
· Pesquisa na base de dados: filmografia Cinejornal Brasileiro – Cinemateca Brasileira
A proposta teve como objetivo principal pesquisar a atuação de Harald Schultz como fotógrafo e cinegrafista no Departamento de Propaganda e Difusão Cultural-DPDC, unidade que antecedeu o Departamento de Imprensa e Propaganda-DIP, órgão censor e polo ativo de elaboração e difusão do discurso oficial.
A pesquisa se centraria no levantamento de imagens e documentos textuais do fundo Agência Nacional, que compõem o acervo do Arquivo Nacional. Contudo as pesquisas no fundo Agência Nacional não foram exitosas, não sendo identificada nenhuma imagem nem filme atribuído a Harald Schultz. Os poucos dados sobre esse fotógrafo foram encontrados na série Documentos textuais e se referem à exoneração, a pedido, da Divisão de Cinema e Teatro do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, em 20 de novembro de 1940. Um outro documento consiste no pedido de contagem de tempo de serviço no Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, onde, segundo a declaração, trabalhou de 1935 a 1939. Sua nomeação foi expedida no DOU de 02/07/1935, tomando posse no cargo de técnico da Seção de Cinema em 12 de julho do mesmo ano.
Por outro lado, essa pesquisa abriu outras questões sobre uma ausência significativa de registros fotográficos ou de imagens em movimento referentes tanto de autoria de Harald Schultz no DPDC quanto à viagem do presidente Getúlio Vargas ao Centro-Oeste, mais precisamente ao Estado de Goiás, no contexto da campanha da Marcha para o Oeste, cujo objetivo residia em ampliar as fronteiras agrícolas, empurrando-as para a região central do país. Ao longo dessa viagem, Getúlio visitou a Ilha do Bananal e esteve com os indígenas Karajá e Javaé. Foi recepcionado pelo cacique Ataul e ficou hospedado nas dependências do antigo Posto Indígena Fraternidade Indígena, que mais tarde passou a se chamar Posto Indígena Getúlio Vargas, em Santa Isabel/GO.
De acordo com a tese de doutorado de Ione Couto (Armazém da memória da Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios – SPI. Unirio, 2009), o trabalho de Schultz inseria-se em uma empreitada etnográfica, organizada pela agência oficial do governo. Essa iniciativa, que contava com a geração de imagens, era oportuna para Vargas, por dois aspectos: Schultz estava familiarizado com o tipo de mensagem que o governo buscava veicular, o que significava garantia de imagens dentro de um formato já reconhecido pelo Estado; e, ainda, porque sua presença fortalecia os laços de solidariedade entre Estado e seus agentes, prática que vinha sendo adotada pelo governo Vargas. Some-se a estas questões a necessidade do Estado em divulgar o projeto de desenvolvimento, integração e nacionalização do centro oeste, traduzido pela campanha “Marcha para o Oeste”, lançada em 1938 como parte da política mais ampla de ocupação do território. Para tanto, Vargas foi acompanhado de um cinegrafista do DIP encarregado de filmar e fotografar a sua empreitada. Segundo Seth Garfield (As raízes de uma planta que hoje é o Brasil: os índios e o Estado-Nação na era Vargas. Revista Brasileira de História, vol. 20, n. 39, 2000), as imagens produzidas procuraram mostrar o “tradicional” das comunidades indígenas, evidenciando o vigor daquela população e dando ênfase à força inata dos índios brasileiros. Ainda de acordo com a interpretação do autor, a reportagem apresentava a camaradagem entre índios e brancos, a bonomia do presidente – epítome do homem cordial brasileiro – e o longo braço do Estado estendendo-se ao sertão para dar-lhe assistência. Ou seja, a visita de Vargas ao Centro-Oeste não tinha só o objetivo de divulgar a sua política desenvolvimentista, mas também a social, exibindo-a como extensiva às populações indígenas.
No fundo Agência Nacional, série Presidentes de República (PRP), identificamos 2 conjuntos de imagens sobre essa viagem, sem identificação do fotógrafo. Um primeiro conjunto, referente ao embarque do presidente para Goiás, datada de 5 de agosto de 1940 reúne 8 imagens (BR RJANRIO EH.0.FOT, PRP.1440). O segundo conjunto, datado de 6 de agosto de 1940, é composto por 86 fotografias que registram a estadia de Getúlio Vargas no estado de Goiás, a comitiva oficial, atividades e cerimônias juntamente com o interventor do estado, Pedro Ludovico Teixeira, visita a obras (BR RJANRIO EH.0.FOT, PRP.366).
A maioria das imagens que apresentam esse evento se referem a visita a obras, solenidades, apresentações escolares, registros de certa forma frequentes nas fotografias identificadas no fundo Agência Nacional no período da presidência de Getúlio Vargas.
A viagem de Vargas quase três anos depois da fundação de Goiânia, marca, nas palavras do presidente, o “início da marcha para o Oeste”. O fundador de Goiânia e governador do estado, Pedro Ludovico, se destacou como um dos principais aliados de Vargas durante o período do governo provisório (1930-1934) e posteriormente durante o Estado Novo. Pedro Ludovico apoiou a Revolução de 1930, que levou Vargas ao poder, e foi nomeado interventor federal em Goiás pelo presidente no mesmo ano. Essa nomeação foi crucial, pois Pedro Ludovico era visto como um líder capaz de implementar as reformas que Vargas desejava em Goiás, alinhando o estado com as políticas nacionais do novo governo.
Registre-se que, com essa viagem a Goiás e, em especial à Ilha do Bananal, Getúlio Vargas foi o primeiro presidente da República em exercício a visitar uma área indígena. O fato mereceu uma ampla cobertura de diferentes órgãos de imprensa, a exemplo do Radical, Gazeta de Notícias, Diário de Notícias, A Noite, Correio da Manhã e Jornal do Brasil. O que chama a atenção, é que, salvo dois casos, as matérias não vêm acompanhadas de imagens de Vargas em campo, isto é, entre os índios. Em 14/08/1949, a Gazeta de Notícias reproduz uma composição de 2 fotos com a seguinte legenda: “Getúlio Vargas percorrendo a Ilha do Bananal e um flagrante tomada durante uma dança típica dos índios”. O segundo registro foi feito pelo jornal A noite, de 18/08/1940, com a legenda: “A fotografia acima fixa um expressivo flagrante colhido durante a recente viagem do presidente Getúlio Vargas a Goiás. Na paradisíaca Ilha do Bananal o ‘tuchaua’ Ataul, chefe dos Carajás, dá as boas-vindas ao Chefe da Nação, como fazia, há séculos, um seu ancestral”.
Uma outra representação que circulou reproduz Vargas segurando no colo um bebê Karajá. Segundo Garfield, essa imagem foi distribuída aos postos indígenas por todo o Brasil. (ver Serviço de Proteção aos Índios (SPI) Boletim 20, jul. 1943, p. 196)
Há ainda registros (https://osbrasisesuasmemorias.com.br/biografia-watau/) que Getulio Vargas foi à ilha do Bananal acompanhado de Francisco Brasileiro (1906-1989), também conhecido como Chicão, que participou da Bandeira Anhaguera, realizada em 1937 e que pretendia explorar a região localizada à margem esquerda do rio das Mortes, produzir conhecimento científico e realizar contato com os indígenas Xavantes. Chicão também integrou a expedição Roncador-Xingu (1943) no âmbito da Fundação Brasil Central. No livro Homenagem a Francisco Brasileiro, organizado por sua neta por ocasião do centenário de nascimento de Chicão, não há nenhum registro dessa viagem à ilha do Bananal com o presidente da República (https://issuu.com/jobrasileiro/docs/chicao_27-9_menor).
Finalizando, apesar de as informações contidas na bibliografia sobre a viagem de Getúlio Vargas ao Centro-Oeste em 1940 e sua passagem pelas terras do Karajá na Ilha do Bananal sugerirem uma relação com as atividades de Harald Schultz à frente do DPDC, não foi localizado até o momento nenhum registro atribuído a esse fotógrafo.